Lixo e objetos mundanos ganham força como adereços da moda

A chapeleira Shilpa Chavan
acha que seus chapéus
transitam entre a moda e a arte
A alta costura costuma ser sinônimo de tecidos caros e abundância, mas muitos estilistas têm atualmente buscado adereços populares para dar vida a suas roupas. É assim que brinquedos de plástico e bicicletas velhas acabaram sendo levadas às passarelas.

Um exemplo é a chapeleira indiana Shilpa Chavan, que transforma garrafas plásticas, brinquedos baratos e sandálias de borracha em matéria-prima para chapéus que atraem clientes como a cantora Lady Gaga. Mas, ao mesmo tempo em que vende luxo e extravagância, Chavan baseia seu trabalho em suas origens simples, dos mercados da cidade de Bangalore, e na nostalgia por objetos do dia a dia.

E essa abordagem não é incomum.
O chapeleiro britânico Stephen Jones já transformou pernas de bonecas Barbie em um chapéu, e o estilista Avsh Alom Gur incorporou lixo coletado nas ruas do leste de Londres em uma de suas coleções.
Mas como é que esses materiais despertaram o interesse da alta costura?
O segredo está em não enxergá-los como restos, mas sim como formas e cores, ou objetos que despertem emoções.
"Minha matéria-prima básica são os tecidos indianos. Uso muitos brinquedos no meu trabalho, (além de) pedras, vidros, galhos, penas, tudo", disse Chavan. "Quando as pessoas do mundo da moda veem (o resultado), eles encaram como sendo moda. Quando as pessoas do mundo da arte veem, eles encaram como sendo arte."

Luxo e lixo

Indiana usa de brinquedos a penas
para montar seus chapéus
Historicamente, a alta costura é luxuosa - usa seda nobre adornada com joias, seguindo a ideia de fazer as roupas mais caras para as pessoas mais ricas. Mas a tendência de apostar em materiais baratos é mais antiga do que se pode pensar.

Oriole Cullen, curadora de moda e tecidos no museu londrino Victoria & Albert, diz que o elo entre a fineza e o lixo tem sido duradouro.
"No início do século 19, era comum usar palha em bordados. O resto do vestido era feito de seda caríssima, e a palha lhe dava um ar dourado incrível", explica ela. "Durante a Segunda Guerra Mundial, os chapéus eram a única coisa não racionada. A ideia era que eles ajudavam a levantar o ânimo. As pessoas tinham que usar a criatividade na aplicação de materiais, e uma chapeleira de Paris chamada Madame Agnes usava lascas de madeira para fazer chapéus."
A criatividade é comumente ligada à engenhosidade. Um estilista que consegue transformar um objeto comum em algo extraordinário costuma ser aplaudido.
A empresa britânica Tatty Devine começou empregando dois designers, que faziam joias a partir de objetos abandonados e vendiam-nas em mercados. Decorações de bolo, cabides e palhetas de guitarra eram algumas de suas matérias-primas.
Abordagem semelhante tem Avsh Alom Gur, que baseou sua coleção de primavera/verão de 2008 em restos. Latas de refrigerante prensadas se transformaram em adereços e em painéis intrincados, sacolas plásticas viraram tecidos e pedaços de bicicleta foram usados como pulseiras.
"Todos os dias vejo coisas que me inspiram", disse o estilista, citando "bicicletas acorrentadas que, de tão vandalizadas, se transformam em apenas uma forma prensada a uma coluna. Elas costumam ter cores tão bonitas. Alguns tipos de lixo me atraem, seja por suas formas ou cores. Outros não, e deixo-os no chão. É difícil dizer o que é um bom lixo ou não".

Significado artístico

Urinol transformado por Marcel Duchamp em fonte
Junto com o lixo do leste londrino, Gur tira sua inspiração do artista francês Marcel Duchamp, defensor da ideia de que objetos mundanos podem ganhar significado artístico.
Duchamp criou uma série de trabalhos provocativos: sua escultura "Roda de Bicicleta", de 1913, consiste em uma roda presa ao assento de um banco; ele também transformou um urinol de porcelana em fonte.
Duchamp selecionava suas peças com base na indiferença visual – uma teoria segundo a qual, como descreveu o surrealista André Breton, “um objeto comum é elevado à dignidade de uma obra de arte pela mera escolha do artista”.
Essa abordagem tem sido adotada com prazer por todos os que transformam lixo em moda.

Fonte: BBC Brasil - http://www.bbc.co.uk/portuguese