Não vejo futebol há cerca de três semanas, o que é muito para mim, pois o acompanho religiosamente desde criança. Talvez não seja tão difícil enquanto palmeirense já que o time do Abel não anda enchendo os olhos. Mas nesse ínterim perdi jogos interessantíssimos. Ainda assim, a cada notícia em que esbarro, continuo sem sentir falta.
Na primeira, vi que morreram, por Covid-19, dois funcionários do Palmeiras: um podólogo e um segurança.
CBF, FPF, Governo do Estado e o escambau garantiram que os “protocolos” (palavra maldita) eram perfeitos. Só se for para os jogadores milionários.
Esses dois profissionais só estavam trabalhando in loco por escolha de todas essas entidades. Qual a desculpa agora?
Que eles se infectaram num cassino clandestino, local predileto dos mimados milionários que, sim, expõem seguranças, motoristas, roupeiros e etc que os servem?
Ah, e mesmo com essas mortes, houve jogo na quarta seguinte. Afinal, the show – nem tanto – must go on. E se o Palmeiras vai jogar, eu vou… dormir.
O outro acontecimento que me abalou não foi uma morte nem uma declaração abertamente polêmica. Foram dois trechos de uma entrevista do Messi.
No primeiro, ele falava do sonho de ganhar um título pela seleção profissional.
Faltou o complemento: um título sobre milhares de cadáveres sul-americanos. Não levem a mal: eu tenho duas camisas do argentino.
Uma de quando ele estreou pela seleção principal ainda com a 18, nem a 15 do título olímpico nem a 10 que hoje dispensa comentários. Além de outra pelo Barcelona, embora eu simpatize mais com os colchoneros.
Ainda possuo um mini-craque, artesanal, feito em Buenos Aires. Logo não dá para me acusar de qualquer má vontade. Mas choca. P
orque, num cenário desses, com famílias destroçadas por todo o continente, o mais importante é o sonho de um bilionário em ganhar um título “pela seleção principal”.
Para mim, a medalha olímpica de 2008 é muito mais digna.
A outra declaração que me entristeceu foi sua confissão de ter medo de se contaminar.
Não de contaminar roupeiros, camareiras, recepcionistas, motoristas de ônibus. Nem de, mesmo que indiretamente, contribuir para uma tragédia ainda maior ao país-sede e/ou todo o continente.
O medo era de se contaminar. Porque quem tem mais de 9 zeros na conta não enxerga nada além de si e dos seus. Sem julgamento moral. Funciona com praticamente todo mundo que alcança (ou muitas vezes herda) esse patamar.
Continuo admirando o futebol do Messi, já em curva descendente e ainda assim espetacular. Mas só isso.
E quanto mais demorar para os torcedores perceberem que todos esses jogadores não dão a mínima para nossas vidas, a despeito de faixas manufaturadas e gestos vazios, mais difícil será a refundação do futebol.
Um futebol que, há algumas semanas, não respeitou o povo nem mesmo os jogadores — sem iniciativa própria — ao insistir em jogar por duas vezes numa cidade deflagrada por justos protestos, como aconteceu em Barranquilla, na Colômbia.
Esse futebol, que acha que pode prescindir do povo, precisa morrer. Para que outro, melhor e mais humano, possa nascer.
O velho morre e o novo não pode nascer
Por C. Zetkin
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