Nem todos sabe que eu, além de comunciador, sou músico, toco saxofone e violoncelo. O saxofone toco desde os 9 anos de idade e posso dizer que já percorri uma estrada tocando por este Brasil afora e fora do país, na cena do jazz, rock e MPB.
Então acredito que tenho um mínimo de legitimidade para expor determinada crítica ao nosso expoente tropicália Caetano Veloso, e que se faz oportuna, dado um recente acontecimento que foi exposto em carta aberta na imprensa nacional.
Eu sempre disse que Caetano era e é um perfeito e ditatorial representante do monopólio baiano na cena da música brasileira. Caetano se
autoexilou em Londres, mas ninguém o mandou para lá, mas ele insiste em dizer-se vítima da
ditadura de 64. Mas a verdade que quando retornou, foi sobre os auspícios de
Antônio Carlos Magalhães, conhecido por Toninho Malvadeza, político que Caetano muitas vezes foi cabo eleitoral.
O que a maioria esmagadora da imprensa nunca
publicou, foi que Caetano ao longo de sua carreira perseguiu jornalistas
que publicavam sobre ele algo que o
desagradasse, culminando sempre com a perda do emprego.
Mas como nunca nada fica oculto
eternamente, aos poucos a verdadeira face oligarca, elitista e
anti-democrática de Caetano vai aparecendo.
Lembrando que no regime de 64, a censura
era ideológica e política e hoje a postura de Caetano e outros artistas
representam simplesmente a ganância pelo dinheiro.
Leia em seguida a carta aberta do escritor
Benjamin Moser, biográfo de Clarice Lispector, que pede que o cantor baiano
reconsidere sua postura assumida de censura aos biógrafos e jornalistas:
“Caro Caetano,
Nos EUA, quando eu era
menino, havia uma campanha para prevenir acidentes na estrada. O slogan rezava:
"Amigos não deixam amigos bêbados dirigir". Lembrei disso ao ler suas
declarações e as de Paula Lavigne sobre biografias no Brasil. Fiquei tão
chocado que me sinto obrigado a lhe dizer: amigo, pelo amor de Deus, não
dirija.
Nós nos conhecemos há muitos
anos, desde que ajudei a editar seu "Verdade Tropical" nos EUA.
Depois, você foi maravilhoso quando lancei no Brasil a minha biografia de
Clarice Lispector, escrevendo artigos e ajudando com o alcance que só você
possui. Admiro você, de todo o meu coração.
E é como amigo e também
biógrafo que te escrevo hoje. Sei que você sabe da importância de biografias
para a divulgação de obras e a preservação da memória; e sei que você sabe quão
onerosos são os obstáculos à difusão da cultura brasileira dentro do próprio
Brasil, sem falar do exterior.
Fico constrangido em
dizer que achei as declarações suas e da Paula, exigindo censura prévia de
biografias, escandalosas, indignas de uma pessoa que tanto tem dado para a
cultura do Brasil. Para o bem dessa mesma cultura, preciso dizer por quê.
Primeiro, achei
esquisitíssimo músicos dizerem que biógrafos querem ficar com
"fortunas". Caetano, como dizem no Brasil: fala sério. Ofereço o meu
exemplo. A biografia de Clarice ficou nas listas de mais vendidos em todo o
Brasil.
Mas, para chegar lá, o
que foi preciso? Andei por cinco anos pela Ucrânia, pela Europa, pelos EUA,
pesquisando nos arquivos e fazendo 257 entrevistas. Comprei centenas de livros.
Visitei o Brasil 12 vezes.
Fiquei contente com as
vendas, mas você acha que fiquei rico, depois de cinco anos de tais despesas?
Faça o cálculo. A única coisa que ganhei foi a satisfação de ver o meu trabalho
ajudar a pôr Clarice Lispector no lugar que merece.
Tive várias vantagens
desde o início. Tive o apoio da família da Clarice. Publico em língua inglesa,
em outro país.Tenho a sorte de ter dinheiro próprio. Imagine quantos escritores
no Brasil reúnem essas condições: ninguém.
Mas a minha maior
vantagem foi simplesmente ignorância.
Não fazia ideia das
condições em que trabalham escritores e jornalistas brasileiros. Não sabia
quanto não se pode dizer, num clima de medo que lembra a época de Machado de
Assis, em que nada podia ofender a "Corte".
Aprendi, por exemplo,
que era considerado "corajoso" escrever uma coisa que todo mundo no
Brasil sabe há quase um século, que Mário de Andrade era gay. Aprendi que era
até inusitado chamar uma cadeira de Sergio Bernardes de feia.
Aprendi o quanto ganham
escritores, jornalistas e editores no Brasil, e quanto os seus empregos são
inseguros, e como são amedrontados por ações jurídicas, como essas com que a
Paula, tão bregamente, anda ameaçando.
É um tipo de censura que
você talvez não reonheça por não ser a de sua época. Não obriga artistas a
deixarem o país, não manda policiais aos teatros para bater nos atores. Mas que
é censura, é. E muito mais eficaz do que a que existia na ditadura. Naquela
época, as obras eram censuradas, mas existiam. Hoje, nem chegam a existir.
Você já parou para
pensar em quantas biografias o Brasil não tem? Para só falarmos da área
literária, as biografias de Mário de Andrade, de João Guimarães Rosa, de
Cecília Meirelles, cadê? Onde é que ficou Manuel Bandeira, Rachel de Queiroz,
Gilberto Freyre?
Você nunca se perguntou por que nunca foram feitas?
Eu queria fazer. Mas não
vou. Porque o clima no Brasil, financeiro e jurídico, torna esses
empreendimentos quase impossíveis. Quantos escritores brasileiros estão
impedidos de escrever sobre a história do seu país, justamente por atitudes
como as suas?
Por isso, também, essas declarações,
de que o biógrafo faz isso só por amor ao lucro, ficam tão pouco elegantes na
boca de Paula Lavigne. Toda a discussão fica em torno de nossas supostas
"fortunas".
Você sabe que no Brasil
existem leis contra a difamação; que um biógrafo, quando cita uma obra ainda
com "copyright", tem obrigação de pagar para tal uso. Não é diferente
de você cantar uma música de Roberto Carlos. Essas proteções já existem, podem
ser melhoradas, talvez. Mas estamos falando de uma coisa bem diferente da coisa
que você está defendendo.
De qualquer forma, essas
obsessões com "fortunas" alheias fazem parte do Brasil do qual eu
menos gosto. Une a tradicional inveja do vizinho com a moderna ênfase em
dinheiro que transformou um livro, um disco, uma pintura em "produto cultural".
Não é questão de
dinheiro, Caetano. A questão é: que tipo de país você quer deixar para os seus
filhos? Minha biografia foi elogiosa, porque acredito na grandeza de Clarice.
Mas liberdade de expressão não existe para proteger elogios. Disso, todo mundo
gosta. A diferença entre o jornalismo e a propaganda é que o jornalismo é
crítico. Não existe só para difundir as opiniões dos mais poderosos. E essa
liberdade ou é absoluta, ou não existe.
Imagino, e compreendo,
que você pense que está defendendo o direito dos artistas à vida privada. Mas
quem vai julgar quem é artista, o que é vida privada e o que é vida pública,
sobre quem, e sobre o que se pode escrever e sobre quem e, sobre quem não? Você
escreve em jornal, você, como o artista deve fazer, tem se metido no debate
público. José Sarney, imortal da Academia Brasileira das Letras, escreve
romances. Deve ser interditada também qualquer obra crítica sobre ele, sem
autorização prévia?
Não pense, Caetano, que
o seu passado de censurado e de exilado o proteja de você se converter em outra
coisa. Lembre que o Sarney, quando foi eleito governador do Maranhão, chegou
numa onda de aprovação da esquerda. Glauber Rocha, também amigo seu, foi lá
filmar aquela nova aurora.
Não seja um velho
coronel, Caetano. Volte para o lado do bem. Um abraçaço do seu amigo,
Benjamin Moser