O partido de Deus, os cristãos e a política

 


Tiago 2.5 - Ouvi meus amados irmãos: Porventura não escolheu Deus aos pobres deste mundo para serem ricos na fé, e herdeiros do reino que prometeu aos que o amam?

O texto acima leva-nos a refletir sobre a postura e o posicionamento de algumas denominações cristãs na atual conjuntura.Refiro-me aos católicos e os evangélicos, povo do livro sagrado chamado Bíblia, não ignoro às demais religiões como as de matrizes africanas como a umbanda e candomblé. O destaque é intencional e provocativo pois foi o uso de trechos da Bíblia que acalentou esperanças messiânicas que elegeram o atual presidente do Brasil.

Sobre o lema Brasil acima de tudo, Deus acima de todos, bem como a utilização de trechos isolados da Bíblia como “ conhecereis a verdade e verdade vos libertará” que embalaram a campanha presidencial carregada de fakenews, e uma defesa bastante demagógica dos valores cristãos e da família, servindo para pautar debates sobre direito contraceptivo das mulheres ( legalização do aborto), discriminalização das drogas e uma educação libertadora e crítica, não somente preocupada em preparar o indíviduo para o mercado de trabalho, mas também para o convívio social e uma sociedade mais justa.

Ao contemplarmos a narrativa bíblica salta-nos à vista o contraste da vida de Jesus e seus seguidores nos primeiros séculos em relação algumas lideranças de nossos dias, que ostentam grandes patrimônios angariados com a fé alheia e ilusão de um discurso que promete riquezas e glórias em um sistema opressor cuja existência depende do acúmulo dessas riquezas na mãos de uma elite econômica.

Jesus, o Verbo Divino, nasceu em uma pequena cidade chamada Belém, cresceu em Nazaré, cidade estigmatizada naqueles dias, escolheu se fazer pobre, sendo ele rico para que a humanidade fosse enriquecida, enfim, Deus e seu filho escolheram um lado, um partido.

O evangelho veio da periferia, das classes subalternas, daqueles que não possuem grandes bens, os despossuídos de riquezas materiais. Portanto, posso afirmar com toda a convicção que Deus escolheu um lado, então é no mínimo insensato aqueles que serem seus seguidores não se posicionarem ante a situação vexatória a qual o povo brasileiro tem passado, estão como Pilatos, lavando as mãos para não ficar mal com ninguém.

Sobre isso a conferência de bispos e bispas da teologia negra realizada em 1978 nos Estados Unidos vai dizer o seguinte:


“ Nossa leitura está focalizada na observação do lugar privilegiado dos pobres na Bíblia. De acordo com diferentes textos bíblicos ( por exemplo, Êx 22.20-23; Dt 10.16-19) Deus manifesta sua justiça, tomando o partido dos órfãos, das viúvas, dos estrangeiros contra seus exploradores( …)”


A tentativa de não se posicionarem politicamente por parte de alguns cristãos não é por estes acreditarem na necessidade da laicidade do estado, mas por eles já tomarem partido contrário aos pobres. Outra tentativa “pueril” de justificar a omissão é a busca de um discurso equilibrado, sem extremismo, seja de esquerda ou de direita. Ledo engano, pois o sagrado livro que muitos afirmam crer exorta a não ficarmos em cima do muro da dúvida, nem olhando na janela da contemplação, aos arautos do “deixa disso”, Jesus diria: “por não serem quentes nem frio vomitar-te-ei da minha boca”.

Os cristãos não podem se omitir, não podem fazer como a Convenção Batista Brasileira que se omitiram no momento tão crucial a qual estamos passando, em que o número de mortos da Covid já ultrapassou a casa dos 200 mil mortos e o Governo Federal de Jair Messias Bolsonaro tem levado na galhofa, usando e abusando do cartão corporativo, cometendo vários crimes de improbidade administrativa. Interessante que essa mesma convenção não utilizou o discurso da isenção quando foi para pedir o impeachment de Dilma Rousseff . De lá pra cá o que mudou mesmo?

Referências

Convenção Batista se diz apartidária

https://wwwibmi.blogspot.com/2021/01/a-novidade-da-convencao-batista.html?fbclid=IwAR1qkMmWLJyiEQZbQ9LWipIxC91rZqsgBcsk6ZOGKcLIvAIrD2hmbkjpt80

FRESTOM, Paul. Religião e Política, sim; igreja e estado não: Os evangélicos e a participação política. Viçosa, MG: Ultimato, 2006.

WILMORE, Gayraud S, CONE, Janes H. Teologia Negra. Tradução: Euclides Carneiro da Silva. São Paulo: Paulinas, 1986.

Márcio Roberto de Carvalho é ativista negro filiado ao PSOL e historiador pela UFPB