REFLEXÕES DA NEUSINHA, POR RUY CASTRO(Clipe de Mintchura)

O escritor e biógrafo Ruy Castro, sempre muito pertinente, nos traz a lembrança, a polêmica, mas também amada Neusinha Brizola. Pelo menos por mim. Isso eu garanto.

Neusinha que sempre se destacou, felizmente ou infelizmente, por seu desacomodado, inquieto e angustiado estilo de de viver, também me marcou pela sua honestidade com a vida, pela dureza consigo mesmo e pela auto doação a seus amigos e a música.

Por isso, na maior e mais deslavada cara de pau, na base do Control C e Control V, publico aqui um texto maravilhoso de Ruy Castro sobre esta maravilhosa e visceral artista brasileira. Vocês vão se divertir. Tenho certeza, afinal é o Ruy Castro, e já que meus amigos e amigas cortêsmente aguentam ler os meus texto, então....

REFLEXÕES DA NEUSINHA

Neusinha Brizola não escolhia droga. Se fosse para beber, fumar, cheirar, ingerir, mascar ou injetar, podiam contar com ela. Sabia também refinar, esconder, transportar e vender. Às vezes ia presa ou sofria um acidente brabo, mas nada a detinha. Seu pai, o governador Leonel Brizola, nunca soube que ela namorou o bandido Escadinha dentro do presídio na Ilha Grande. 

Parece "Mintchura" –título de seu enorme sucesso em disco, em 1983–, mas, com tudo isso, Neusinha ainda conseguiu chegar aos 56 anos, em 2011. E deixou um longo depoimento que Lucas Nobre e Fábio Fabretti transformaram no livro "Sem Mintchura", recém-lançado. Nele, Neusinha não se condena nem se absolve. Apenas conta sua impressionante história. 

 A qual está cheia de reflexões como as que se seguem:
"Para preencher o vazio existencial, o estômago é um dos melhores caminhos". "Arroz integral? Só se for com uma picanha sanguinolenta". "Um dia acendo minha estrela. Só preciso achar o pavio". 

"Nunca tive joias. Odeio objetos que possam valer mais que seus próprios donos". "Uma pena que o mundo deixou de ser ideológico e se tornou estético". 

[Sobre Brizola]: "Eu levei a fama, mas ele era o artista da família". [Na morte dele]: "Lutou com a força dos espinhos, sem perder a delicadeza das pétalas". [No velório, quando um repórter perguntou se podia dar uma declaração]: "Posso. Fodam-se". [Sobre o poeta Drummond]: "Eu tinha o hábito de segui-lo discretamente, como quem colhia as palavras semeadas por seus passos no calçadão". 

[Sugestão para seu próprio epitáfio]: "Do pó ao pó, pelo pó". [Justificando suas tatuagens]: "Era para esconder a marca das seringas". [Seu balanço final]: "Desde que aprendi que a droga é uma declaração de desamor consigo mesmo, forcei-me a parar diante do espelho e declarar-me amor todos os dias"

Fonte: Ruy Castro, escritor e jornalista, já trabalhou nos jornais e nas revistas mais importantes do Rio e de São Paulo. Considerado um dos maiores biógrafos brasileiros, escreveu sobre Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda. Escreve às segundas, quartas, sextas e sábados.

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/ruycastro/2014/06/1468262-reflexoes-de-neusinha.shtml

Clipe da música "Mintchura"